terça-feira, 15 de julho de 2014

Heide, Deusa Bruxa do Norte

A Noite caiu. A sombra cobre como um véu os campos que conhecemos e esconde de nossos olhos as familiares características da cidade à nossa volta. Na escuridão, tudo é como era há mil anos atrás. O mundo está silencioso, descansando depois do dia de trabalho. Em todo lugar, as pessoas procuram seus leitos; longe um lobo uiva e cachorros latem em resposta, perto, alguém bate a porta.

Esse vilarejo parece dormir, mas você espera pela hora secreta, a hora do silêncio. Você trancou sua porta e fechou as cortinas de suas janelas; pessoas morreram pelo que você está prestes a fazer, por esses você se posicionou confortavelmente e fechou seus olhos, você não está dormindo, esta noite você tem uma viagem a fazer...

O perfume de ervas sagradas é acre e pungente; sua respiração profunda, deixando a calma do ambiente preencher sua alma – dentro... e fora... dentro... e fora... Você relaxa, seus membros crescem pesadamente, pressionando você contra a cadeira. Você não pode mover as pernas, seus braços estão frouxos, seus dedos encolhidos; seu peito e abdômen descem e sobem como sua respiração, e todas as suas tenções gentilmente te deixam. Sua respiração profunda, desenhando-se em paz, levando a preocupação – dentro... e fora... dentro... e fora...

Agora você está flutuando... Um rosto aparece em sua memória – uma velha mulher que vêm às vezes para o vilarejo, consultando as runas em troca de um lugar para dormir e um pedaço de pão. Mais uma vez você ouve sua mensagem.

“O tempo chegou. Você foi conjurado para o topo da montanha. Esta noite a Senhora está aqui...”

Excitação formiga em suas veias; medo tremula em seu abdômen; você precisa vê-lA, mas o que acontecerá se você for? Chame agora do Outro Mundo seu aliado, seu familiar, sua fera amiga que vai ajudá-lo a fazer sua jornada. Silenciosamente repita as palavras do encantamento:

“Na forma de meu aliado eu vou
com cuidado e trabalho, como eu sei,
E eu vou em nome da Senhora,
Tudo antes que eu volte pra casa de novo.”

A mudança toma você, e na forma de uma besta ou cavalgando, você está fora na escuridão lá fora! Ah, a liberdade, o prazer dessa cavalgada selvagem pelo céu noturno! Tudo que você conhece é deixado pra trás. Não existem pontos de referência aqui, só o movimento, e outros cavaleiros perto de você, conhecidos e estranhos, vindo, como você, para responder o chamado... 

Mas agora você se encontra descendo longe das habitações humanas – só um ponto de luz se mostra da selvageria da charneca e montanha.
No mais alto pico, um fogo está ardendo, ele tremula escondido pelo entrelaçado de umas árvores. Vultos escuros movem em torno dele; conforme você avança mais para baixo pode ouvir a suave doçura de um violino, o suave bater de coração de um tambor. Pendurado sobre o fogo está um caldeirão; o cheiro das ervas fervendo ali dentro está começando a se misturar com a fumaça no ar.

“Você está atrasado.” Lamentam os outros – você os conhece pelas suas irmãs, que você só encontra aqui. “Já é meia-noite!”

Você dispensa seu cavalo e se distancia para pegar a mão que lhe é oferecida. Viola e tambor vibram aumentando o tom e reforçando o vigor, e você começa a dançar. Circulando e circulando o caldeirão você vai, cantando, encantando. Faíscas saltam sobre o fogo e dançam uma dança torta com as estrelas.

E agora, você sente que outra pessoa lidera a dança – uma velha mulher, mas mais vivamente que todos vocês, pernas finas batendo a terra como sua saia escura voa. Seu cabelo grisalho tremula ao vento, voando sobre seu rosto; um momento ela parece antiga, e no seguinte ela ri como uma garota. A dança roda até onde você agüenta, e nesse momento a música pára.

Você balança, e vê que a velha mulher está ereta e direita, e seus olhos se tornaram poços de mistério. Seu coração pára um pouco, ou talvez bata por alegria. Para que você saiba que Ela está aqui, e é hora da mágica começar..."




Nas terras onde as línguas germânicas são faladas hoje, existiam bruxas anteriores aos inquisidores que escreveram suas fantasias satânicas, gerando encantos e dançando em topos de montanhas. Mulheres sagradas e bruxas, elas eram herdeiras de uma antiga tradição, e o nome dado a essa deusa que encorpou esta magia era Heide, bruxa e sábia mulher do norte.

A deusa que sobreviveu no imaginário popular como a bruxa dos contos de fadas germânicas tem uma história venerável. Os comentários de Tacitus sobre a posição da mulher entre as tribos germânicas foram citados extensamente–.

"Eles ainda supõem algo de santidade e premunição iminentes no sexo feminino; e também não dispensam seus conselhos, não desrespeitam suas respostas. Assim o vimos, no reino dos Vespasianos, Veleda, longamente reverenciada por muitos como uma deusa."
Germania: 8

Entre as tribos, a sacralidade da mulher tinha um papel crucial, e depois da conversão ao cristianismo isso se desgastou, a crença no poder feminino de alcançar a sabedoria ctônica ficou retida na figura da Völva que Odin foi buscar em busca do conhecimento de seu destino.

Mas há poucos poderes no mundo que não podem ser usados para fazer o mau, e aqueles que têm o grande poder de curar ou ajudar são os mais suspeitos de fazer o mau. O grau em que as mulheres têm sido admiradas tem a mesma medida da hostilidade que inspiram, especialmente quando seu poder social decresceu, desde que uma cultura tipicamente teme o que foi suprimido e atribui a iss poderes mágicos. Como Grimm diz:

"As bruxas são da linhagem das deusas antigas, aquelas que proferiram de seus tronos, transformadas de preciosas adoradas em malignas e temidas, vagam sem dormir durante a noite, e no lugar de seu uma vez majestoso progresso pode apenas se manter escondida proibida de conferências com seus adeptos."
Teutonic Mythology, p. 1055

Felizmente, na Escandinávia a tradição pagã degenerou mais devagar, e nos deixou com material suficiente para formar uma imagem da deusa que deu às bruxas do Norte o seu nome.

Heide primeiro aparece na “Voluspá” na stanza seguida à descrição de Gullveig. As duas são vistas como um aspecto de Freyja, já que nesta passagem a deusa aparentemente veio ao hall de Odin como uma espiã ou emissária dos Vanir.

"Eu me lembro da primeira grande guerra no mundo,
quando sedentes por ouro eles afiaram suas lanças,
e no hall de Hár eles a queimaram;
Três vezes a queimaram e três vezes ela renasceu –
muitas vezes, não poucas– mas ela ainda vive."
Voluspá: 21

Como Odin no hall do rei Geirrod, o fogo não a pode ferir. Se ela veio como espiã, talvez os Aesir tivessem motivo para tormentá-la. Mas se ela veio como emissária, não há dúvidas de que o tratamento que lhe ofereçam, ou provocou, ou acabou intensificando a guerra. Mas também, sua sobrevivência ao pior que eles poderiam fazer sem dúvida contribuiu para a conclusão que um tratado com os Vanir seria mais produtivo que continuar a guerra.

A deusa-bruxa em seu aspecto de Gullveig (“Loucura dourada”, ou talvez “a extasiada dourada”) é a primeira face que vemos dela. Alguns acadêmicos tentaram dar ao nome uma implicação econômica, mas eu penso que nesse caso “ouro” é mais relacionado ao brilho ou talvez à função dos Vanir como deuses da prosperidade. O que é importante aqui, afinal, é o fato que essa deusa é tão poderosa que é uma ameaça – certamente ela é tão poderosa que nem mesmo os grandes Aesir não puderam destruí-la.

A imagem que ficou conosco é a radiante figura saindo das chamas, rindo da estupidez dos homens que pensaram que seu poder e sabedoria poderia ser destruído. Assim como, ela é uma poderosa modelo e fonte de força quando nós saímos da vassoura e afirmamos nosso direito de praticar a magia antiga e adoração como desejamos.

Tanto a mulher sábia que vagueia como a mulher mágica que é capturada e queimada fazem parte do arquétipo da bruxa. Na próxima stanza, suas atividades mágicas são resumidas.

"Heide a nomearam quando à casa dos homens ela vem
vidente Völva, sábia em gand [magia],
muito seidh ela soube, seidh para amarrar mentes,
sempre se alegrando com mulheres más."
Voluspá: 22

Heide é o nome de Gullveig (ou Freyja, se elas são a mesma) é chamada quando ela vagueia pelo mundo encantando e profetizando. Esse nome também pode ser usado como um termo genérico para mulheres que praticam magia. Na versão “Shorter Seeress’ Prophecy nós aprendemos que “Heidhr ok Hrossdhjófr Hrimnis kindar” (Heide e Ladrão-de-cavalos (são) do clã de Hrimnir). Aqui o nome Heidi é normalmente traduzido como “bruxa” pelos tradutores. Hrimnir é um dos gigantes. O significado dessa passagem é provavelmente que bruxas e ladrões de cavalos, ambos que agem contra a lei da comunidade, são do clã dos gigantes. Que são poderes que regem a selvageria.

Em outro lugar Heide aparece como o próprio nome de muitas mulheres praticantes de magia. Elas, e essas mulheres que elas trabalhavam para, sendo ou não mesmo “malvadas” presumidamente dependendo dos propósitos de sua magia, ou talvez e suas atitudes através da magia em geral. A Völva que profetiza para o rei Frodi em Hrolf’s Saga Kraka é chamads Heith. Em Frithiof’s Saga, uma das seidhkonas que lançaram a tempestade contra Frithiof é chamada Heide. O nome de sua irmã, Hamglam, é possivelmente relacionado com hamhlypunni (que pode trocar de corpo), desde que as duas viajam fora de seus corpos para trabalhar com magia.

A imagem de uma mulher velha vigorosa, ou a velha que vive nas margens da sociedade, é melhor expressada por Heide. As deusas (como os deuses) são polimórficos, e podem aparecer na forma que a ocasião pedir. Isso inclui certas idades. Uma deusa, quando arrume a regência usual tomada de uma mulher de uma dada idade na cultura, irá provavelmente aparecer naquela idade. Sem dúvida o trabalho com magia é associado a mulheres velhas na tradição germânica porque toma tempo se tornar mestra no lore, e também porque mulheres jovens estão ocupadas demais com cuidar da casa e das crianças. Nas sagas, mulheres que trabalham magia são invariavelmente maturas, se não de idade avançada. Elas devem ser sexualmente ativas, e até, suas crianças já cresceram. Elas tomam amantes como bem entendem, não por procriação. Numa cultura sem meios de contra-concepção, só uma mulher além da menopausa pode fazer isso livremente.

Dada a tendência nórdica de incorporar kennings em nomes próprios (por exemplo Asa-Tyr para Odin), e usar termos descritivos como nomes próprios (FreyR = “senhor”), tentar identificar o real nome da deusa-bruxa é provavelmente sem sentido. Talvez seja mais útil considerar o que o nome, ou descrição, “Heide” nos diz sobre a deusa.

Em Old Norse a palavra Heidh tem dois prinicpais significados, ou talvez tenha duas palavras que se desenvolveram na mesma forma. A primeira se referem ao brilho do céu, à radiância dos céus. Como um nome divino, isto deve derivar da tendência indo-européia de definir os deuses como sendo brilhantes. O segundo, como no alemão heide, significa uma charneca, e esta é a raiz da palavra pagão. A charneca é o selvagem fora da vida urbana, onde o seidhman ou a seidhkona, e depois qualquer um, que queira seguir o antigo caminho, se retira para trabalhar sua magia. Um terceiro significado se refere a honorários, algo com valor, ou honra. O termo era usado como elemento de nome (deixando o “h” como sufixo), como em Heidhrun, o nome da cabra que viaja na Yggdrasil e que o leite é o néctar que nutre os heróis.

O estereótipo da bruxa com seu caldeirão, transmitido via as Três Bruxas de Shakespeare, ainda está conosco, e esta é certamente uma das maiores imagens de Heide. O caldeirão como um símbolo particularmente significante tanto para celtas como germanos do norte da Europa, onde há combustível e comida suficiente para cozinhar em caldeirões realmente grandes. No período heróico, a maioria da comida era cortada e mergulhada em vez de ser assada (a carne podia também ser cozida colocadas em estacas se um caldeirão não fosse disponível). Uma possível etimologia para seidh é relacionada com a raiz de seethe – mergulhar coisas num caldeirão.

Um dos sagrados usos do caldeirão era certamente cozinhar carne de animais oferecidos aos deuses em grandes festivais. Depois de o animal ser honrado e dedicado com preces e abatido no ritual, a cabeça e pele serem presa numa árvore para o deus, e a carne distribuída entre as pessoas – uma prática ao menos humana, e consideravelmente com menos desperdício que modernas fábricas açougueiras. Pequenas partes da carne, em pequenos caldeirões podem ser preparadas para trabalhos mágicos individuais.

De qualquer forma a forma mais comum do uso do caldeirão na magia feminina é na mistura de ervas colhidas por suas propriedades medicinais ou simbólicas para a cura ou feitiços. Em muitas culturas, o processo da preparação da poção em si é um ritual.

Encantamentos e afirmações são cantadas sobre o preparo é misturado. Entre os Azande, por exemplo, consumir algumas ervas com preparo especial é o que transforma um indivíduo normal num xamã. Quando a cultura permite, a maioria da magia pode ser trabalhada no domínio feminino do lar ou da cozinha. Os mais poderosos continuam sendo os encantos feitos sobre caldeirões no ambiente natural, nas áreas onde os limites do homem estão entre os mundos. Em princípio, qualquer pote onde se junte ervas ou comida é cozida é um caldeirão, e você pode chamar a magia de Heide sobre ele para encantá-lo, sussurrando seu intento no vapor conforme você mexe. Como muitas magias femininas, isso não requere nenhuma roupa ou ferramentas mágicas especiais. Qualquer um com acesso a um fogão pode aprender esse aspecto da sabedoria de Heide.

Uma terceira face desta deusa é aquela da vidente. De acordo com os acadêmico, na “Voluspá”, esta misteriosa deusa feiticeira é a própria Heide, a quem Odin viajou até Hel e compeliu a profetizar. No poema ela é referida apenas como “a Völva”, um termo que pode ser trocado por seidhkona (uma mulher que pratica magia seidh, sobre isso teremos mais a dizer ), mas há a conotação da idade e da sabedoria. É interessante comparar o tom dos diálogos entre ela e Odin com a competição de charadas quando ele confronta figuras masculinas como Vafthruthnir. É a mulher sábia que o prove com a doutrina cósmica, com o conhecimento de como o mundo começou e como vai terminar–:

"Ouça me bem, seres abençoados,
os menores e os maiores das crianças de Heimdall,
seu murchar, Valfather, que eu vou colocar à frente
o destino do mundo que eu primeiro possa recordar."
Voluspá: 1-2

Em “Baldrsdraumar”, Odin procura uma figura similar para interpretar os sonhos ruins de seu filho. A Völva herdou os talentos e o prestígio de antigas videntes germânicas como Veleda e Alirun. É nessa tradição que Wagner se inspirou para criar Erda, a “Vala”. O diálogo final entre Wotan e Erda em Siegfried é baseado no diálogo Éddico entre Odin e a Völva.

Aquela vidente não é simplesmente uma figura sobrenatural, e isso se vê na passagem que descreve a visita da Völva Thorbjörg às terras de Thorkell na Groenlândia (Saga de Erik, o Vermelho: 3). 

Ela é dita como sendo sobrevivente de uma companhia de nove princesas, claramente uma mulher de idade e autoridade, mesmo com sua tradição morrendo. No conto de Arrow Odd, uma Völva chamada Heith viaja para festas acompanhada de quinze jovens e quinze donzelas para entoar encantamentos. Em Landnamabók, outra Völva, também chamada Heith, profetiza boa fortuna. Não é claro qual a idade de todas essas mulheres, mas certamente elas são experientes, maduras e respeitadas em suas comunidades.

Nas sagas depois da conversão ao Cristianismo, a spae-wife solitária permanece como personagem, mas ela se tornou mais furtiva e mais chamada para magias destrutivas. Em Viga-Glum’s Saga, uma vidente andarilha chamada Oddbjorg visita uma fazenda e vê sortes. No capítulo 13 da Ynglinga Saga, é dito como Huld, a seidhkóna, é chamada por Drifu para colocar um pesadelo noturno no marido que a abandonou.

Então como uma deusa desconhecida e vista como uma bruxa a quem atribuíram poderes divinos, esses tipos de magia são associados a Heide e caem na classificação de seidh, diferente de galdor que é mais baseado em palavras, runas e em conhecimento formal que na alteração de consciência e aumento de poder (mesmo que encantos e runas sejam usados às vezes na magia seidh, e com certeza energia é depositada por magos para aumentar o poder de encantamentos). A palavra pode ser dita seidh, o -dh final é lido como o -th em the, do inglês.

Muitos dizem que atividades referidas como seidh no Old Norse são habilidade que poderíamos chamar de shamanismo– mudança de forma, viagens espirituais, trabalhos com espíritos e profecias.

De acordo com a tradição foi Freyja (ou Heide, se a considerarmos como sua forma velha) que ensinou as artes do seidh aos Aesir, e ao maior entre eles, Odin, que já era origem e mestre do galdr. Toda descrição da prática do seidh é referida a ele.

"Odin tem a habilidade que lhe dá grande poder e que ele praticou. É chamado seidh, e isso significa que ele pode saber do destino dos homens ou predizer eventos que ainda não aconteceram; e por isso ele pode inspirar loucura nos homens, ou perda da alma e levar a saúde à mingua, ou ainda tomar a sorte e o poder de um homem e dá-lo a outros. Mas esse tipo de magia é considerada ergi que é pouco digna para homens, vergonhosa para quem a pratica, e deveria ser feita por sacerdotisas..."

E:

"Odin pode mudar a si mesmo. Seu corpo descansa como se dormindo ou morto, mas ele se torna um pássaro ou uma fera selvagem, um peixe ou um dragão, e faz sua jornada num piscar de olhos para muito longe – em outras terras, em suas próprias viagens errantes ou aquelas para outros homens. Também, com algumas palavras ele pode extinguir o fogo, acalmar o mar, e tornar os ventos na direção que ele quiser."
Ynglingasaga: VII

Esse termo, ergi, precisa de uma explicação. Ele é usado em duas situações, em passagens que tratam de magia e (entre homens) como uma ofensa sexual. Seu significado implica com uma receptividade sexual, ou desejo disso. Não é claro se o termo com significado sexual se tornou metáfora no religioso ou o religioso foi degradado. Nos dois casos indica uma pessoa que deseja deixar o controle, e permitir ser usada por outro ou outra, ou ser possuída por uma força maior. Isso, com certeza, é um pré-requisito para entrar nesse tipo de transe extasiante e consciência alterada necessárias para prática do seidh.

Muitas das práticas que são associadas com seidh são aquelas que em outras culturas podem ser chamadas de shamanismo. Existem muitas referências a mudanças de forma na antiga literatura nórdica, tanto para mulheres como homens. Na maioria dos casos a transformação parece acontecer enquanto a bruxa está em transe, e quando seu espírito, ou corpo astral, muda de forma e sai numa jornada. Existem também referências a animais totens que podem ser espíritos que ajudam na forma de um animal. Muitos dos deuses nórdicos são associados com animais específico. Freyja, por exemplo, pode tomar a forma de um falcão e andar numa carruagem puxada por gatos. Nenhum animal é associado a Heide, mas eu sempre a associei com um corvo fêmea, um pássaro famosos por sua sabedoria. Talvez o corvo de Heide seja mãe de Hugin e Munin.

Das habilidades descritas acima, as mais associadas com Heide são a divina e mortal figura da profecia. Talvez a mais completa descrição que temos de qualquer ritual nórdico é o ritual seidh numa fazenda da Groelândia nos tempos de Eirik, o Vermelho (séc. X). Os ornamentos da Völva são remanescentes de trajes shamãnicos – um casaco ornamentado com pedras, chapéu, luvas, sapatos, e um saco de encantamentos de pele de animal, e uma cajado ornamentado com jóias e gravações. Em muitas tradições shamânicas o set inclui uma franja ou um véu para esconder a face da bruxa, e a profetiza venda em seu Alto Trono é uma imagem de Heide.

Na saga, o procedimento do seidh envolve sentar numa alta plataforma enquanto um canto aos espíritos é feito, e com assistência, se entra num estado de transe em que ela é capaz de responder perguntas e profetizar. Nas Eddas, Odin vai a Hel para acordar a Völva de ser sono no túmulo. Ele então faz suas questões sobre a história e o destino do mundo. A suposição é que a informação da vidente vem dos mortos, ou até que ela precise estar entre a vida e morte para ganhar acesso a ela.

É importante notar que a palavra inglesa para o lugar cristão de sofrimento eterno vem do antigo germânico, Hel, que na crença nórdica não é um lugar desagradável (apenas em textos mais recentes foi incluído um lugar para aqueles que fazem maldades). 

Geralmente, é mais parecido com o Outro Mundo celta, ou os Campos Elísios, verde mesmo quando é inverno no mundo, com salões de festa. É o reino dos ancestrais, na crença de muitas culturas dá acesso a grande sabedoria e ajuda para ajudar seus descendentes, um lugar de descanso.

Em Hrafnar (o círculo nórdico onde eu trabalho), nós reconstruímos o procedimento do seidh. Nosso procedimento envolve uma jornada ao mundo inferior, e sem dúvida, o estado de transe que leva a uma sensação profunda e tranqüila.

No entanto como vemos o seidh como profético ou divinatório, ou como fascinação e utilizado, não é a única área em que a ajuda de Heide pode ser procurada. Como a Völva vendada, ela ensina sabedoria das profundezas. Como a bruxa arquétipa, ela é a chave para recuperar a magia tradicional feminina no norte da Europa. Como Gullveig ela é o espírito da Bruxa que sobreviveu à era das caça às bruxas.

Como podemos aprender a trabalhar com Heide hoje? O esboço que segue é baseado no ritual tradicional desenvolvido por Hrafnar e pode ser ajustado como necessário para trabalho individuais ou em grupos. Qualquer figura (atrativa) de uma bruxa pode ser usada como imagem da deusa, ou você pode copiar a ilustração deste artigo . Uma peça de linho natural ou um algodão negro é apropriado para o pano do altar. Use uma vela votiva, branca ou cor de âmbar. Eu uso uma miniatura de caldeirão num pires numa posição que ilumine a imagem.




Um Ritual a Heide

Purificação

"Sagradas ervas dispensem o mal
Como combustível no fogo,
Como fumaça no vento."
(use um incenso de ervas ou aroma florestal e ventile sobre todos os participantes, se possível com uma pena de corvo!)

"Por esta água da sagrada fonte,
possa(m) meu(nossos) espíritos brilharem 
como a casca de Yggdrasil..."
(esborrife-se com água temperada com uma pitada de sal)

Limites

"No sentido do sol eu trilho o caminho das maravilhas,
Com o cajado sagrado os mundos eu quebro,
Como ando o círculo rodeado
Por inspiração e desejo seja ele limitado."
(conjure o círculo com uma varinha que voê mesmo cortou, ou com uma vassoura)

Equilibrando

"Nordhri e Sudhri, Austri e Vestri
Do centro nós chamamos,
Observadores do mundo, agora nos proteja do indesejado
Konntu heill ok sæll ("kon-too haik ok sait")"
(Os nórdicos não tem um sistema elemental/direcional como algumas outras tradições mas eles identificam os quatro anões com os quatro cantos do mundo. Olhe para cada direção para honrá-los. A frase final em Old Norse significa "Hail e seja bem-vindo.")

"Agora aos poderes primordiais deixamos nossa prece,
Espíritos da terra e do mar nós chamamos,
todos aqueles que conhecemos os nomes, e aquele que não sabemos;
Landvaettir, nackar, vind-alfar, ouçam–
Proteja-nos enquanto caminhamos pelos mundos.
Konntu heill ok sæll"
(Quando fazemos o transe em particular, nós nos movemos fora dos limites humanos, e é polido pedir ajuda aos elementais.)

Invocação

(Acenda a vela em frente à imagem e abençoe-a com a runa H, “hagalaz” ou “hail”, a runa da transformação)
"Heide, os pagãos aqui a saúdam–
"Como Gullveig você estava profundamente ferida pelas lanças dos deuses,
Radiante, três vezes queimada e três vezes renascida.
Da mais profunda noite possa seu conhecimento acordar.
Abençoe-nos e esteja conosco.
Heide, Heide, brilhando na sombra,
Palavra de Luz cantada pelas trevas,
Mais sábia das mulheres, com o grande poder da magia,
Sagrada bruxa, do campo venha aqui,
Völva, Velada, doadora das Visões,
No fundo de nossa escuridão possa sua arte aguardar,
Preencha-me e enche-nos agora!"

Encantamento

"Entre os mundos, os véus se afinam,
Mulher de sabedoria este caminho deseja,
Vento noturno cavalga, agora se aproxima,
Heide, venha-nos agora."

Meditação

Use a passagem que começa aqui como um guia. Se você está trabalhando sozinho, você pode querer gravar isto numa fita e ouvir agora. Deixe um espaço de 5 a 10 minutos no fim para dar espaço a visão da continuação. Peça a deusa o que você precisa saber. A conversa pode sugerir mais trabalhos rituais, ou você pode repetir esta meditação depois. Então retrace seus passos – desça a montanha e volte ao vilarejo, sua própria cama, e dentro de seu corpo de novo. Depois disso, se você quiser, leia o que segue.

"Para nós fala a Deusa – Heide a Sagrada, a Sábia 
Eu sou a Sabedoria profunda que espera na escuridão.
Os segredos das sombras, que todos vocês têm esquecido,
que todos os homens suprimiram e esconderam da luz do dia.
Os segredos do útero e da tumba são meus,
Eu estou no lugar secreto de suas almas, onde nenhum homem pode ver.
Como eu era a Noite antes de vocês serem criados,
Eu sou a Luz que brilhará a vocês no fim.
Eu espero como uma semente dentro da terra, como o ovo no útero,
como o espírito no corpo.
Eu sou a matriz de toda sua mágica.
Para trabalhar seu caminho pelo mundo, vocês precisam trabalhar comigo.
Eu sou tudo o que é, o que foi, e o que será,
e não há homem que tenha tirado o meu Véu."

Dividindo as Bênçãos

"Esta bebida eu preparo de ervas abençoadas três vezes,
com força bem combinadas e a mais brilhante honra;
misturadas com magia e poderosas músicas,
com bons encantamentos, runas para desejos."
(Abençoe a bebida – água de fonte, chá ou cerveja preta – com a runa “Lago” (L). Use uma taça de metal, ou melhor, um chifre)

"Pão eu lhe trouxe, abençoado pela Sagrada Bruxa,
Milho do clã de Ask e Embla;
Grãos que estavam moídos, presente à Deusa,
Pela terra e pelo fogo possam ser transformados."
(Abençoe o pão – de preferência de um bom centeio escuro – com a runa “Semente” (J). Compartilhe o pão e a bebida, e coloque um pouco na tigela de oferenda)

Despedidas

"Heide, estes pagãos te agradecem–
Mais sábia das mulheres, brandindo a magia,
Deixe sua sabedoria dormir entre nós.
Até que de novo te invoquemos,
Sagrada HAG, nós lhe oferecemos nossas despedidas.
Fridhr ok farsæll! (hail and farewell)"

Agora vamos agradecer aos Poderes que nos protegeram:

"Nackar e Landvaettir e vind-alfar,
todos vós que os nomes nós sabemos, e aqueles que desconhecemos;
Nordhri e Sudhri, Austri e Vestri.
Clã dos anões, nós nos despedimos de vós, com agradecimentos a sua bondade!
Fridhr ok farsæll!"

Abrir o Círculo

"Com o cajado sagrado eu faço o círculo,
No sentido oposto ao sol o limite da proteção se desfaz;
Este lugar à todo bom uso retorne,
Deixe-nos com o lore que aprendemos."


Referências

James Chisholm, "Seidhr Excerpts: Part I" Idunna 3:4, Yule, 1991
The Elder Edda, traduzida para o inglês por Lee Hollander (Universidade do Texas, 1986) e outras traduções
Jacob Grimm, Teutonic Mythology, Dover Books, 1966
Kirsten Hastrup, Culture and History in Medieval Iceland, Oxford, 1985
Snorre Sturluson, Heimskringla, Dover, 1990
Tacitus, Germania (The Works of Tacitus, Oxford translation), Harper & Brothers, 1873

por Diana L. Paxson
tradução de Cadu Garcia

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A Origem das Runas

Muito frequentemente nós nos deparamos com a (imprecisa) informação de que Odin teria criado as runas, embora nem mesmos os registros históricos confiram a ele esta posição. Em uma análise cuidadosa, vamos perceber que ela foi uma criação conjunta dos deuses, e que Odin teria tido acesso a todo o conjunto e conhecimento através de um auto-sacrifício.

Engraçado também perceber como alguns grupos conferem a Freyja essa autoridade, embora em toda a história não exista nada a corroborar com esta teoria. Mas como dizem que onde há fumaça, há fogo...

"Apesar das Valquírias serem normalmente associadas à Odin, elas também são ligadas à deusa Nórdica Freya ("a Senhora"), a deidade da fertilidade pertencente à raça divina dos Vanir, a qual é nomeada como a líder. Freya e seu irmão de irmão de pênis avantajado Frey (que as vezes é representado com cornos) têm sido comparados no Oriente Médio aos deuses Baal e Asthoreth, O Senhor e A Senhora, as deidades da Bruxaria Tradicional. Freya é também conhecida como "A Rainha do Elfos" e como tal, tem sua função nos encantamentos, feitiços e magias, no shapeshifting ou "tremular" (transformação de forma), o envio do duplo ou "fetch" à viagem espiritual e à feitiçaria negra conhecida como seidr. É até mesmo dito que foi Freya quem ensinou o conhecimento oculto das Runas à Odin. Ela possui uma capa mágica de penas e ao vesti-la ela pode se fazer invisível ou transformar-se em um falcão que voa sobre a terra espionando os mortais. A deusa também é conectada às Disir ou "Avós Divinas", espíritos tutelares que podem ser comparados à trindade céltica das Matronae ou "Três Mães". Elas agem como espíritos guardiães e aparecem em sonhos para oferecer conselhos e avisos de perigo iminente. Estas entidades tinham a habilidade de prever a morte dos membros da família, podendo ser comparadas com as Banshee Irlandesas. Como espíritos femininos da morte, elas também se ligam com as Valquírias. A própria Freya é também uma deusa da morte porque Odin permite-a tomar um terço dos mortos, os poucos escolhidos, dos campos de batalha e ela os leva para o seu próprio reino feérico de Vanheim."

Vislumbrando a Hedgewitch
Michael Howard
The Cauldron Brasil - Edição XVI
 

Espero em breve colocar um artigo sobre o tema.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Feitiçaria na Bruxaria Tradicional Eslava

Feitiçaria é um tipo de comportamento mágico cujo objetivo é criar uma mudança em uma direção determinada. É baseada na idéia de que a causa de doenças e outras coisas ruins que acontecem aos homens e ao gado são forças invisíveis ou pessoas com características demoníacas.

Feitiços são feitos apenas por pessoas específicas, freqüentemente mulheres velhas, chamadas entre os Sérvios de bajalice; entre os Croatas de mole e lice; na Kotaria e Dalmatia, de vidigoje; na Macedônia de basmarici, bajalici, bajalki; na Bulgária de bajacki e basmarki; na Eslovênia de zagovarjalki; na Rússia de zagovoscici; etc. Aquelas que sabem causar o mal com feitiços são chamados na Sérvia de vracarice, vrazalice e cinjarice; em Monte Negro de madjionice e carovnice; na Croácia de coprnice e na Rússia de koldunje.

O conhecimento da feitiçaria é transmitido apenas dentro da família, dos mais velhos para os mais novos e, de acordo com as regras, a jovem feiticeira começa o seu ofício após a uma feiticeira mais velha se aposentar. Há meios comuns de transmissão do conhecimento da feitiçaria. Em alguns casos, os bajalice (feiticeiros, no plural) transmitem o seu poder antes da puberdade, enquanto que na Bulgaria, a velha bajalica (feiticeira, no feminino) cospe na boca da nova bajalica.

De acordo com os dizeres de algumas feiticeiras, elas começaram a fazer feitiços depois de uma ordem da Mãe de Deus, Santa Petka, das fadas etc, que apareceram a elas em sonhos ou durante um longo período de doença e lhes revelaram os caminhos da feitiçaria. Em algumas áreas (Leste da Sérvia, Banat, oeste da Herzegovina), a feiticeira, durante o feitiço, entra em um tipo de estado alterado de consciência (um transe) perdendo a consciência. Algumas pessoas acreditam que a sua alma, neste estado, está lutando contra um demônio ou doença ou visitando as fadas e pedindo a elas que dessem saúde ao doente. A feiticeira tem a obrigação de manter o segredo da feitiçaria e de sempre dizer a parte verbal do feitiço corretamente, mesmo que às vezes ela não a entenda. O feitiço (basma) é compreendido como um "instrumento" de um determinado tipo, que carrega o poder dos Tempos Antigos e cuja tarefa é trazer a harmonia de volta. A feiticeira freqüentemente faz o feitiço de uma maneira simbólica, criando um tipo de modelo paralelo, cuja condição existente, usando um procedimento mágico, o traduz em um outro estado desejado. De acordo com a tarefa, os feitiços podem ser categorizados em feitiços para cura, prosperidade ou vida social.

Quanto à sua estrutura, os feitiços podem ter a forma de frases feitas, orações, súplicas ou um esquema mais desenvolvido e complexo. Para cada ocasião há um feitiço único, mas, em alguns casos, o texto de um feitiço pode ser modificado para cada ocasião ou feiticeira, simplesmente, improvisando. Durante o ato de feitiçaria, a bajalica usa alguns instrumentos que têm funções mágicas. Eles podem ser parte de uma mensagem não-verbal do feitiço ou ilustrações da intenção da feiticeira (geralmente expressada na forma de uma ameaça). O primeiro grupo consiste de: sal, ovos, farinha de trigo, objetos ligados ao fogo, partes de pessoas mortas, partes de alguns animais e plantas. O segundo grupo consiste de: instrumentos afiados (faca, machado, espinho, roca...), objetos com um cheiro forte (alho, incenso) e objetos de limpeza (vassouras).

Uma parte comum dos feitiços é o comportamento incomum dos participantes. Este comportamento é, de alguma forma, diferente do comportamento cotidiano, normal. Tem o caráter de um comportamento invertido (silêncio, ficar nu, cuspir, praguejar). Uma parte importante dos feitiços é arrastar objetos, tomar medidas etc. Os feitiços são feitos em um determinado tempo e local. Alguns feitiços são feitos durante a lua cheia, outros durante a lua crescente. O dia da semana também é de alguma importância (muitas vezes os feitiços são feitos na quarta-feira, sexta-feira ou domingo). A hora do dia também é importante (é escolhida alguma hora fronteiriça, como de manhã logo antes da aurora, à noite imediatamente após o pôr-do-sol e vários feitiços são feitos no meio da noite).

Lugares especialmente marcados com algum tipo de importância ritual são freqüentemente escolhidos para a feitiçaria. Estes lugares representam a fronteira entre o espaço comum e incomum, tais como a lareira, soleira da porta, telhado, cerca etc. Lugares fronteiriços entre a terra e a água podem ser usados para feitiçaria (fontes, rios, nascentes, moinhos d'água, pontes...). Lugares "sujos" tais como chiqueiro e cemitérios também são usados. Lugares com algum tipo de linha vertical constantemente presente (chaminé, pedras erguidas, árvores...) também são usadas para estas atividades.

Em alguns exemplos, os métodos eslavos de feitiçaria têm sido influenciados pela literatura mágica (orações apócrifas, maldições, fórmulas mágicas). Há três linhas de influência: Visantina (via língua grega), Romano-Germânica (via latim e alemão) e muito pouca influência da linha Islâmica-Árabe (via turco e árabe). As formas mais arcaicas de feitiçaria estão presentes entre os eslavos da área das Balcãs e no Norte da Rússia.


Fonte: Dictionary of Slavic and Serbian Folklore and Mythology, por vários autores.
Tradução: Gabriel Meissner.

Os Muitos Nomes de Odin

Os nomes do deus são encontrados em nórdico arcaico (ou Old Norse) Óðinn (Saxo Grammaticus, latinizando escreve Othinus), no germano Wotan e no primitivo germânico sob a forma de Wodanaz, no gótico, Vôdans, no dialeto das ilhas Feroé (nas costas da Noruega), Ouvin, no antigo saxão, Wuodan, no alto alemão, Wuotan, enquanto que entre os lombardos e na região da Vestefália aparece Guodan ou Gudan, e na Frísia, Wêda. Nos dialetos dos alamanos e borgundos temos a expressão Vut, usada até hoje no sentido de ídolo. Essas denominações estão ligadas pela raiz, no nórdico arcaico, às palavras vada e od, e, no antigo alto alemão, a Watan e Wuot, que significavam a princípio razão, memória ou sabedoria. Mais tarde tornaram-se equivalentes a tempestuoso ou violento, sentido que os cristãos faziam empenho de acentuar, procurando depreciar a figura do deus pagão.

Fonte: Georg von Rosen - Oden som Vandringsman (Odin, o Viajante), 1886.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os Enteógenos do Norte

O Uso dos Enteógenos pelas Tradições do Norte

O neologismo “enteógeno”, segundo o antropólogo Edward MacRae, deriva do grego antigo “entheos” que significa “deus dentro”; e significaria portanto “o que leva o divino para dentro de si”. É um termo comumente usado para se referir a plantas ou fungos com capacidade para alterar a consciência e percepção.

Os enteógenos são usadas na bruxaria a mais tempo do que possamos imaginar, por praticantes experientes ou sob devida orientação. Diferentemente das plantas narcóticas (que levam o usuário à uma realidade exterior não existente) e alucinógenas (que levam o usuário a perceber o ambiente ao seu redor a partir de sua própria Sombra(1) e então formar conexões com ele), as plantas enteógenas levam o usuário a um encontro consigo mesmo, fazendo com que olhe para dentro de si.

As plantas de poder são “instrumentos” sagrados nas mãos de sábios e experientes feiticeiros, e os auxiliam na busca por respostas. Utilizadas dentro de um contexto ritualístico, elas possuem a habilidade de levar o bruxo a uma jornada de encontro com sua verdade interior.

Como todo alterador de consciência, é utilizado com cuidado e responsabilidade. Embora estudos recentes possam apontar os efeitos mais comuns, indivíduos diferentes respondem de maneiras diferentes(2). E todos os ricos são considerados por qualquer Magister antes de oferecer o Cálice aos seus irmãos.

Nas práticas mágicas da Escandinávia Medieval, por influência do xamanismo norte-euro-asiático, temos relatos/indícios do uso das seguintes plantas e fungos:

:: claviceps purpurea
:: psilocybin mushrooms
:: psilocybe semilanceata
:: stropharia spp.
:: banisteriopsis spp.
:: amanita muscaria
:: atropa belladonna
:: hyoscyamus niger



Notas:

(1) Eu Interior, Mente Profunda.

(2) Isto também diz respeito a questão do vício, embora acredita-se que os enteógenos não causem dependência. Talvez, devido também ao seu uso sacro não rotineiro e a observância dos mais velhos.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Gefjon

Gefjon, Gejfun, Gefion, Gefiun, Gefinn, Gefn. A Doadora.

A história desta deusa começa quando Snorri escreve no Gylfaginnig (considerado o prólogo de sua obra), que a deusa disfarçada de mendiga, teria a mando de Wotan visitado o rei Glyfi, da Suécia, para conseguir terras para morar.

O rei teria dito que a ela pertenceria a porção de terra que conseguisse arar em uma noite e um dia. Gejfion então traça seu plano. Ela se dirige a terra dos gigantes, Jotunheim, e lá se deita com um deles, do qual engravida e dá a luz a quatro filhos - os quais ela transforma em seus bois. Com eles, arou o solo da Suécia. Os sulcos de seu arado foram tão profundos que o mar penetrou a terra, separando parte dela, fazendo assim surgir a ilha dinamarquesa de Sjælland (Seeland, Zelândia), onde foi construída Leire(1), a sede dos reis e de seu santuário. Do outro lado, no vazio que ficou, surgiu o lago Mälaren.

A Edda cita Gefjon como sendo uma deusa Asen (uma Ásynja/Asynjor), o que pode causar algum espanto, uma vez que os aspectos que ela rege estão mais frequentemente associados com os Wanen.

Na Ynglinga saga, é dito que ela se casou com Skjöldr (Scyld), o deus-rei filho de Odin, que teria aportado nas terras dinamarquesas levando paz e prosperidade. Desconfia-se que o nome da antiga capital, Roskilde, seja uma homenagem a ele.

Na Lokassena, Loki a acusa de ter, assim como Freyja, se prostituído em troca de um colar. Ela teria se deitado com um “garoto branco”(2), que alguns estudiosos sugere ser o próprio rei Gilfy – o colar, portanto, como um kenning para a terra a qual ela se prostitui em troca da permissão de arar. Alguns outros estudiosos, no entanto, que tal jovem possa se tratar do deus Heimdall.

Ainda na Lokassena, é dito por Odin que a deusa conhece todos os ørlög, e por esse atributo, ela é freqüentemente confundida com Frigg - mas seguramente, são deusas distintas. É dito que Gefjon era servida por virgens, e que as almas das mulheres que assim morressem estavam sob seus cuidados, mas a virgindade da própria deusa é contestada e contraditória nas antigas fontes.

Em Copenhagen, na Zelândia, uma estátua-fonte foi erguida em sua homenagem, a quem a tradição atribui a origem da dinastia real da ilha e da Dinamarca.



Notas:

(1) Em geral, “branco”, “alvo”, “pálido” são atributos designados aos gigantes do gelo, que são frígidos e inexpressivos como o inverno. Isto está no Skirnismál, quando Snorri descreve a giganta Gerdr e sua natureza “branca”, “pálida” e “inexpressiva”. Por este motivo, o “garoto branco” citado por Loki provavelmente é uma referência a Gylfi, o rei gigante.

(2) Leire é a região de dinamarquesa de Illerup Adal, segundo o historiador alemão Thietmar de Merseburg e Nigel Pennick.

Nerthus

Para os antigos povos germânicos, Nerthus era uma deusa associada com a fertilidade. Em Germania, o historiador romano Tacitus a identifica como a “Mãe Terra”. Jacob Grimm a identificou através de muitos outros nomes, como Erda, Erce, Fru Gaue, Jörd, Fjörgyn, Frau Holda e Hluodana, entre alguns outros ou derivações destes. Sem sombra de dúvidas, era uma divindade popular a muitas das tribos germânicas.

Acredita-se que seu santuário ficava localizado em uma ilha no Mar do Norte (provavelmente, a Dinamarca). Lá, em um bosque sagrado, ficava a sua charrete, a qual era puxada por duas novilhas durante a sua procissão anual na primavera. Nela era colocada uma estátua da deusa, coberta com tecido. Somente ao seu sacerdote era dado o direito de tocá-la, e somente ele sabia o exato momento em que a própria deusa estava presente na charrete. Ele então a conduzia até um lago sagrado no continente, e durante este percurso, por onde quer que a charrete da deusa passasse, não podia haver guerra, lutas ou conflitos, e todas as armas eram postas de lado, uma vez que Nerthus exigia paz e tranqüilidade para poder presentear o povo com suas bênçãos de prosperidade.

Ao chegar ao lago, sua charrete e a própria deusa eram lavadas por escravos que, terminado o serviço, eram ali mesmo afogados, uma vez que o direito de ver sua face era dado somente (com exceção de seu sacerdote) aqueles que agonizavam para morrer.


Os Sacrifícios à Nerthus

Como exposto anteriormente, sacrifícios através do afogamento eram dedicados à Nerthus. Especula-se que ela possa ser a mais antiga deusa germânica. Estima-se que seu culto sacrificial teve inicio durante a Idade do Ferro – com certeza um culto Vanir, um culto da natureza, de vida e morte, com sacrifícios para pedir a abundância na maioria dos casos.
 
Em 1952, o corpo de uma menina de 14 anos foi encontrado numa sepultura rasa, numa turfeira em Schweslig, Dinamarca. Ela havia sido levada para o local nua e vendada, e tinha sido afogada em cerca de 20 polegadas de água. O crime não era recente. Ele ocorreu na Idade do Ferro, durante o primeiro século da nossa era, período em que, como exposto, acredita-se já existir um culto à deusa Nerthus. O corpo da menina, como centenas de outros, havia sido perfeitamente preservado pela estranha propriedade química do pântano.
 
A menina, como o Homem de Grauballe (encontrado com sua garganta cortada) e o Homem de Tollund (encontrado com um laço de couro em torno do pescoço) foram todos mortos como sacrifício à divindade feminina, vítimas de ritos de fertilidade. Os praticantes desse antigo culto na Escandinávia e no norte da Germânia usavam colares no pescoço ou garrotes para mostrar sua subserviência à deusa. Algumas vítimas masculinas eram estranguladas ou enforcadas. Um laço ou corda era freqüentemente colocada em volta do pescoço da vítima masculina, independente do modo como seria morta. A corda, laço de couro ou garrote, era simbólico das vítimas da deusa – como descrito na página 60 de The Bog People, do prof. P. V. Glob: “O homem morto havia sido trazido para a turfeira nu, exceto pela corda em volta do pescoço”.
 
Os corpos nus encontrados nos pântanos dinamarqueses indicam sacrifício por afogamento. O uso de cordas e amarras dentro de alguns ritos se deve principalmente, antes de qualquer função prática, ao seu simbolismo. Amarras, cordas,  foicinhos e o garrote era considerado seu símbolo, por feiticeiras que mantiveram seu culto após a chegada dos deuses Asen no norte da Europa. Mais tarde, veio a se tornar um modo de sacrifício também dedicado a Nerthus.
 
Enquanto que a morte por afogamento está associada à deusa (assim como o sepultamento), o enforcamento era uma prática mais recente, primeiro associada à Odin (assim como a morte por destroçamento), e somente posteriormente associada à Nerthus.