sexta-feira, 29 de julho de 2011

Thule: O Continente Mágico

  

Hiperbórea e Atlântida
Hiperbórea e a “Raça de Cristal”

Tule
 


Em um plano simbólico e tradicional, Tule está para a tradição germânica assim como estão, para outras mitologias, lendas ou religiões, o Jardim das Hespérides, a terra de Avalon, o Meru indiano ou o Paraíso Terrestre.

Continente pretlante, Tule teria sido o primeiro centro mágico do qual, muito mais tarde, os Hiperbóreos e os Lemurianos foram os longínquos descendentes. Isso quer dizer que a legendária Tule preexiste à Atlântida e mesmo ao continente de Mû, confundindo-se com o próprio centro primordial. Segundo essa tese, há centenas de milhares de anos, em um local considerado então como sendo o pólo Norte (atual Pamir) de nosso globo, teria sido instalada uma colônia de mestres iniciadores, de origem extraterrestre (os “homens de cristal”). Desse lugar polar, uma hierocracia de homens saídos da descendência dos “homens transparentes” estabeleceu o equilíbrio das forças universais. Tule aparece assim como o catalisador da energia psíquica de uma comunidade que age por repulsão sobre o curso dos astros e das estrelas, evitando de tal modo certas catástofres cósmicas e prolongando ao infinito a existência da civilização. Sua benéfica influência se confundia na tradição com a Idade de Ouro... até no dia em que um terrível cataclisma riscou o continente mágico da superfície de nosso planeta.

Durante um longo período de “pré-história”, a Terra foi testemunha de múltiplas tentativas de restabelecimento parcial desse estado primordial desaparecido (lembremo-nos de Mû), do qual a Hiperbórea é um dos mais antigos vestígios.

Por essa ocasião, a Tradição confundiu geográfica e historicamente Hiperbórea e Tule, de que fez ao mesmo tempo a capital da terra “Além do Gelo”. Não é também impossível que o nome de Tule, por referência ao primeiro continente, tenha sido dado a uma cidade da nova terra, o que poderia explicar a concordância das lendas a tal respeito.


Hiperbórea

Tanto Hiperbórea como Atlântida são nomes que cantam aos ouvidos, evocando regiões paradisíacas situadas além dos gelos polares, ou cidades faustuosas governadas pelos reis-pontífices de Poseidon.

Entretanto, terão realmente existido esses continentes “míticos”, além das lendas que contêm certamente um fundo de verdade? Eis uma questão que devemos considerar, já que é verdade que várias correntes da tradição se ligam para evocar esses países afortunados, amados dos deuses, que são, no Ocidente, o reflexo solar de nosso mais longínquo passado.

Enquanto Mû saiu, com efeito, das tradições americana e extremo-oriental, Hiperbórea e Atlântida pertencem propriamente à tradição ocidental e indo-européia.

O próprio nome Hiperbórea significa “Além de Bóreas
(o Vento do Norte), isto é, no extremo-norte. É de admirar que os antigos, que não ignoravam os efeitos do frio sobre o clima e a vegetação, tenham situado essa região “paradisíaca” na região circumpolar nórdica.

As mais antigas lendas referentes à ilha mágica situada entre a Islândia e a Groenlândia, estendendo-se talvez até a Inglaterra e a Irlanda, nos vêm dos Gregos.

Heródoto assinala por seu lado a existência de Hiperbórea - “Ilha de Gelo situada no Grande Norte, na qual viveram homens transparentes” (alusão à primeira Tule?) -, bem como o fazem também Plínio o Velho, Diodoro de Sicília e Virgílio. Em Medeia, Sêneca faz esta predição:

“Nos séculos futuros hora virá
Em que se descobrirá o grande segredo mergulhado no Oceano
Reencontrada será a poderosa Ilha.
Tétis novamente revelará o País
E Tule, desde então, não será mais a região de extremidade da Terra.”

Na mitologia grega encontram-se reminiscências idênticas, testemunhando essa nostalgia da “Terra do Sol Eterno” à qual se dirigia todos os anos o deus Apolo, em seu carro puxado por um cisne, Além do deus Bóreas, Senhor do frio e das tempestades.

A lenda do Tosão de Ouro, por sua vez, parece ter a mesma origem: todos conhecemos por meio de Hesíodo e de Homero a expedição dos Argonautas, conduzida por Jasão, partindo à conquista desse famoso tesouro situado na Cólquida.

Leonardo da Vinci fala de modo muito misterioso do Cáucaso e do monte Taurus, que são ligados em seu espírito à tradição hiperbórea. Ele escreve no Codex Atlanticus: “O cimo de pedra muito branca do monte Taurus resplandece nas trevas, a sua sombra se estende até os montes hiperbóreos”.

Mais perto de nós, Helena Blavatsky, a eminente fundadora da Sociedade Teosófica, vê também na lenda helênica o reflexo de uma antiqüíssima tradição:
 

“Tal será o nome (Hiperbórea) escolhido pelo segundo continente, a terra que estendia seus promontórios ao sul e ao oeste do pólo Norte, para receber a segunda raça que englobava tudo o que se chama atualmente Ásia do Norte....
Entretanto, do ponto de vista histórico, ou, melhor talvez, do ponto de vista etnológico e geológico, a significação é diferente. A terra hiperbórea, a região que se estendia além de Bóreas, o deus de coração gelado, o deus das neves e tempestades, que gostava de dormir profundamente sobre a cadeia do monte Ripaeus, não era uma região ideal, como julgavam os mitólogos, nem mesmo uma região vizinha da Cítia ou do Danúbio. Era um continente real, uma terra “bona fide” que não conhecia o inverno nessa época primitiva e cujos tristes restos só têm atualmente uma noite e um dia durante o ano. As trevas noturnas nunca se abatiam sobre essa terra, diziam os gregos, porque era a “terra dos deuses”, a morada favorita de Apolo, o deus da luz, e porque seus habitantes eram seus sacerdotes e seus servidores bem-amados. Isso pode ser considerado como uma ficção poética, atualmente, mas naquela época era uma verdade poetizada.”

A Doutrina Secreta, Paris, 1904, t. 3, página 910.

Podemos supor então que em tempos muito antigos, bem anteriores à antiguidade clássica, há várias dezenas de milhares de anos, estendia-se um continente existente no Grande Norte, em alguma parte entre o Labrador e a Islândia. Grande ilha de gelo cercada de “altas montanhas transparentes como o diamante”; a Hiperbórea não era, contudo, glacial. 

“No interior da região reinava um doce calor onde se aclimatava perfeitamente uma vegetação verdejante. As mulheres eram de indescritível beleza. As que eram nascidas em quinto lugar em cada família possuíam extraordinários dons de clarividência.” 

Essa descrição do clima e da vegetação polares nada tem de inverossímil, já que foram encontradas no Spitzberg grandes jazidas de carvão, fósseis de grandes florestas do quaternário. Roger Vercel descreveu com emocionante exatidão o que poderia ter sido essa região, tem tempos extremamente recuados: 

“Árvores gigantes moviam suas amplas frondas sobre a Groenlândia e o Spitzberg. Sob um sol de fogo, a profunda vegetação dos trópicos enchia-se de seiva, nos locais onde atualmente vegetam liquens raros. Fetos arborescentes misturavam-se às cavalinhas gigantes, às palmeiras do terciário, àslianas da selva ártica.” 

Como explicar tão brusca mudança do clima, a não ser por um desequilíbrio da Terra sobre seu eixo, modificando em pelo menos 25º a localização dos pólos? Nessa época hiperbórea, o pólo do frio jazia sem dúvida perto de Paris... ou em qualquer parte da Europa Oriental, e o paraíso terrestre se estendia ao extremo norte das ilhas boreais.

Os celtas, os vikings e os germânicos conservam a lembrança de Tule (capital Hiperbórea) como de um verdadeiro Éden, análogo ao país do Outro Mundo da Demanda do Graal... “Além dos mares e das Ilhas Afortunadas, além das brumas espessas que guardam o seu acesso”, nesta ilha “onde os hiperbóreos detêm todos os segredos do mundo”.

Os germânicos foram os que, mais que quaisquer outros, guardaram a lenda de Tule. Sobre ela fundaram seu culto pagão e suas aspirações políticas ocultas até o coração do século XX.

Esse mito nunca se enfraqueceu. Ele inspirou o Fausto de Goethe e o Parsifal de Richard Wagner. A Balada do Rei de Tule, escrita por Goethe, e traduzida por Gérard de Nerval em versos franceses, tem um sentido esotérico que não escapa aos tradicionalistas:


Havia um rei de Tule
A quem sua amante fiel
Legou, como lembrança,
Um cálice de ouro cinzelado.

Era um tesouro cheio de encantamentos
Onde seu amor se conservava.
Cada vez que nele bebia
Seus olhos se enchiam de lágrimas.

Vendo chegarem seus últimos dias,
Ele dividiu sua herança,
Mas excluiu da partilha,
O Cálice, sua lembrança tão cara.

Á mesa real
Fez assentarem-se os barões em sua torre;
De pé e enfileirada em torno
Brilhava sua nobreza leal.

Sob o terraço rugia o mar.
O velho rei levantava-se em silêncio,
Bebe, estremece, e com a mão arremessa
O Cálice de ouro à onda amarga!

Viu-o voltear na água negra;
A onda, ao abrir-se, fez uma dobra;
O rei inclinou-se a fronte pálida:
E nunca mais o viram beber.


Esses versos relacionam-se com o mito do Graal, ligado assim à Tradição Primordial. O Graal, ora concebido como o cálice que recolheu o sangue de Cristo, ora como um vaso contendo o elixir da imortalidade, é, na verdade, um símbolo eterno, um arquétipo ligado aos mais antigos mitos. Sua origem mais remota é certamente bem anterior ao cristianismo, e parece pertencer com efeito à “lendária” Tule(1), santuário celestial do Graal. Desse ponto de vista o Santo Cálice poderia ser – entre outras concepções – o reflexo da arcada estrelada do céu, tomando a aparência de uma meia esfera, como se sabe. Assim o Graal seria o princípio solar percorrendo o “Círculo de Ouro” do zodíaco ao longo de sua trajetória anual. Antes de se materializar com a forma de um objeto (cálice de esmeralda ou tábuas de pedra) entre os nórdicos e os celtas, esse símbolo encerrava assim um segredo ligado à ordem cósmica, à vida do universo, possibilitando talvez o domínio de energias prodigiosas emanadas do logos solar.

Aqui intervém a noção de raça primordial, portadora de uma espiritualidade transcendente. É a essa “humanidade divina” que se refere a lenda do Apolo hiperbóreo já anteriormente evocada, fazendo dos povos desse continente desaparecido uma raça límpica, contemporânea da idade solar ou Idade de Ouro da humanidade, caída em seguida em uma decadência cíclica.

Essa raça ártica ou do arco (arco-íris) vê sua existência ligada à de um centro metafísico definido pelo símbolo da swastika, este emblema do “rei do mundo”, presente na cidade santa e oculta do Agartha. O nazismo – ao que parece muito erradamente – retomou por sua conta esse mito da tradição primordial, recuperando os mais antigos símbolos. O exemplo mais notável é o da Sociedade de Tule, sociedade secreta que se encontrava na origem da entrada em cena de Adolfo Hitler(2).

Ainda que pareça estranho, foi um francês, Fabre d’Olivet, que, no início do século XIX assumiu a responsabilidade de atribuir à raça branca uma origem polar e boreal – declara ele em sua obra Histoire Philosophique du Genre Humain (Tomo I, pág. 82):
 

“Pretendo encarar apenas a raça branca, à qual pertencemos, a esboçar sua história desde a época de seu último aparecimento nos arredores do pólo Boreal... é certamente muito difícil dizer a que época a raça branca ou hiperbórea começou a se reunir em certas formas de civilização, e ainda menos em que época mais recuada ela começou a existir.”

Por seu lado, o esoterista Julius Evola retoma esse tema hiperbóreo quando declara: “A localização do centro ou sede original da civilização olímpica do centro de outro em uma região boreal ou nórdico-boreal, que se tornou inabitável, corresponde a um outro ensinamento tradicional fundamental...”(3).

“O centro hiperbóreo regeu, entre outras denominações que sem seguida se  aplicaram, por conseguinte, ao centro atlântico, a de Tules, de ilha branca oudo “esplendor” – o svetatvipa hindu, a ilha grega de Leuké – de “semente original da raça ariana” – aryanem vaêjo – de Terra do Sol ou “Terra de Apolo”, de Avalon. Em todas as tradições indo-européias há recordações que estão de acordo quando falam do desaparecimento dessa terra, que em seguida se tornou mítica, em relação com um congelamento e um dilúvio.”

Lê Mystère du Graal et l´idée Impériale Gibeline, Éditions Traditionnelles, Paris, 1967, págs. 33-34.

A tradição diz, com efeito, que o continente hiperbóreo sofreu, a um determinado momento histórico, um brusco resfriamento ligado a uma catástrofe sem precedentes. Já evocamos a hipótese de um gigantesco choque dado em nosso planeta por um enorme asteróide, ao que tudo indica. A partir dessa possibilidade, o sábio austríaco Horbiger – tão admirado por Hitler – deveria desenvolver sua teoria de luas sucessivas, a ultima das quais teria vindo se esmagar sobre a terra, modificando o eixo dos pólos.

De qualquer modo, a tradição hiperbórea se perpetuou, e, antes de desaparecer, a raça ártica passou o archote do conhecimento à Atlântida, prolongamento meridional – e como seu nome indica “atlântico” – da Terra Boreal.

Ainda que cheguemos a apagar de nossa lembrança a fabulosa Hiperbórea, a agulha imantada da bússola lá estaria, como um dedo trêmulo indicando incansável e silenciosamente, a direção do Norte. O mistério de nossas origens talvez esteja mergulhado sob a espessa camada de gelo da Groelândia.



Notas:

(1). O Livro de Enoch (Bíblia) apresenta a raça hiperbórea como descendente das “inteligências de fora” (cap. CVI-CVII), e descreve um habitante: “Sua carne era branca como a neve e vermelha como a flor da rosa...”.

(2). Nessa teoria dos nazistas, a Hiperbórea seria a pátria original dos “arianos louros de olhos azuis”, dos “super-homens”, detentores dos segredos divinos, possuidores do Graal, desses gigantes evocados pelo Livro de Enoch como seres de cabelos brancos e de corpos transparentes.

(3). René Guénon já relacionava a tradição primordial à Hiperbórea quando escrevia: “Não é de modo algum apesar de nosso hinduismo, mas, ao contrário, por sua causa, que consideramos a origem das tradições como nórdica, e mesmo mais exatamente como polar, já que isso é expressamente afirmado no Veda, tanto quanto em outros livros sagrados. A terra onde o Sol fazia a volta do horizonte sem se deitar devia ser com efeito situada bem perto do pólo, ou mesmo no próprio pólo; foi também dito que mais tarde os representantes da tradição se transportaram para uma região onde o dia mais longo era o dobro do dia mais curto, mas isso já se refere a uma fase posterior, que, geograficamente, nada mais tem a ver com a Hiperbórea.” (René Guénon: Forme Traditionel et Cycles Cosmiques, Gallimard, 1970).



Fonte: ANGEBERT, Jean-Michel. O Livro da Tradição. São Paulo/São Paulo: Difel Difusão Editorial S.A., 1976, p. 30-38.

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